quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

DAR UM TEMPO

“Dar um tempo é igual a praguejar 'desapareça da minha frente'.
É despejar, escorraçar, dispensar.
Não há delicadeza. Aspira ao cinismo.
É um jeito educado de faltar com a educação.
Dar um tempo não deveria existir porque não se deu a eternidade antes.
Quando se dá um tempo é que não há mais tempo para dar, já se gastou
o tempo com a possibilidade de um novo romance.
Só se dá o tempo para avisar que o tempo acabou.
E amor não é consulta, não é terapia, para se controlar o tempo.
Quem conta beijos e olha o relógio insistentemente não estava vivo para
dar tempo. Deveria dar distância, tempo não.
Tempo se consome, se acaba, não é mercadoria, não é corpo.
Tempo se esgota, como um pássaro lambe as asas e bebe o ar que sobrou
de seu voo.
Qualquer um odeia eufemismo, compaixão, piedade tola. Odeia ser
enganado com sinônimos e atenuantes. Odeia ser abafado, sonegado,
traído por um termo.
Que seja a mais dura palavra, nunca dar um tempo.
Dar um tempo é uma ilusão que não será promovida a esperança.
Dar um tempo é tirar o tempo.
Dar um tempo é fingido. Melhor a clareza do que os modos
Dar um tempo é covardia, para quem não tem coragem de se despedir.
Dar um tempo é um tchau que não teve a convicção de um adeus.
Dar um tempo não significa nada e é justamente o nada que dói.”

(Fabrício Carpinejar, do livro "O amor esquece de começar")

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