quarta-feira, 2 de novembro de 2016

APRENDER DE COR QUEM AMAMOS

“Comportamo-nos como se as pessoas de quem gostamos fossem
durar para sempre.
Em vida não fazemos nunca o esforço consciente de olhar para elas
como quem se prepara para lembrá-las.
Quando elas desaparecem, não temos delas a memória que nos chegue.
Para as lembrar, que é como quem diz, prolongá-las.
A memória é o sopro com que os mortos vivem através de nós.
Devemos cuidar dela como da vida. 
Devemos tentar aprender de cor quem amamos.
Tentar fixar.
Armazená-las para o dia em que nos fizerem falta.
São pobres as maneiras que temos para o fazer, é tão fraca a memória,
que todo o esforço é pouco.
Guardá-las é tão difícil.
Eu tenho um pequeno truque.
Quando estou com quem amo, quando tenho a sorte de estar à frente de
quem adivinho a saudade de nunca mais a ver, faço de conta que ela
morreu, mas voltou mais um único dia, para me dar uma última oportunidade
de a rever, olhar de cima a baixo, fazer as perguntas que faltou fazer, reparar
em tudo o que não vi; uma última oportunidade de a resguardar e de a reter.
Funciona.” 

(Miguel Esteves Cardoso, in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa') 
[Crítico/Escritor/Jornalista, Portugal, n. 25 Jul 1955]

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