quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

TODO O MAL PROVÉM NÃO DA PRIVAÇÃO MAS DO SUPÉRFLUO

“Ser feliz é, afinal, não esperar muito da felicidade, ser feliz é ser
simples, desambicioso, é saber dosear as aspirações até àquela
medida que põe o que se deseja ao nosso alcance.
Pegando de novo em Tolstoi, que vem sendo em mim um padrão
tutelar, lembremos de novo um dos seus heróis, o príncipe Pedro
Bezoukhov (do romance 'Guerra e Paz').
As circunstâncias fizeram-no conviver no cativeiro com um símbolo
da sabedoria popular, um tal Karataiev.
Pois esse companheirismo desinteressado e genuíno, esse encontro
com a vida crua mas desmistificadora, não só modificaram o
príncipe Pedro como lhe revelaram o que ele precisava de saber
para atingir o que nós, pobres humanos, debalde perseguimos:
a coerência, a pacificação interior, que são corretivos da desventura. 
Tolstoi salienta-nos que Pedro, após essa vivência, apreendera, não
pela razão mas por todo o seu ser, que o homem nasceu para a
felicidade e que todo o mal provém não da privação mas do supérfluo,
e que, enfim, não há grandeza onde não haja verdade e desapego
pelo efémero.
Isto, aliás, nos é repetido por outra figura de Tolstoi, a princesa Maria,
ao acautelar-nos com esta síntese desoladora: «Todos lutam, sofrem
e se angustiam, todos corrompem a alma para atingir bens fugazes».” 

(Fernando Namora, in 'Sentados na Relva')

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