segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A MORTE QUE TRAZEMOS NO CORAÇÃO

“É no coração que morremos. É aí que a morte habita. 
Nem sempre nos damos conta que a carregamos conosco, mas, desde
que somos vida, ela segue-nos de perto.
Enquanto não somos tomados pela nossa, vamos assistindo e sentindo,
em ritmo crescente ao longo da vida, às mortes de quem nos é querido.
A morte de um amigo é como uma amputação: perdemos uma parte de
nós; uma fonte de amor; alguém que dava sentido à nossa existência...
porque despertava o amor em nós. 
Mas não há sabedoria alguma, cultura ou religião, que não parta do
princípio de que a realidade é composta por dois mundos: um, a que
temos acesso direto e, outro, que não passa pelos sentidos, a ele se
chega através do coração.
Contudo, o visível e o invisível misturam-se de forma misteriosa, ao
ponto de se confundirem e, como alguns chegam a compreender, não
serem já dois mundos, mas um só. 
Só as pessoas que amamos morrem. Só a sua morte é absoluta separação.
Os estranhos, com vidas com as quais não nos cruzamos, não morrem,
porque, para nós, de fato, não chegam sequer a ser. 
Só as pessoas que amamos não morrem.
O Amor é mais forte do que a morte.
O sofrimento que se sente é a prova de uma união que subsiste, agora
com uma outra forma, composta apenas de... Amor.
Dói, muito. Mas com a ajuda dos que partem acabamos por sentir que,
afinal, não fomos separados para sempre... 
O Amor faz com que a nossa vida continue a ter sentido.
A partida dos que foram antes de nós ensina-nos a viver melhor, de forma
mais séria, mais profunda, de uma forma, inequivocamente, mais autêntica. 
Devemos cuidar de todos os que amamos.
Aos que partiram, porém, aquilo que lhes podemos dar é o amor àqueles
que ficaram cá. Porque estes continuam a precisar de nós, do melhor de
nós... e é sempre uma iniquidade quando um amor por quem partiu mata,
em alguém, o amor por aqueles que ainda cá estão. 
A morte ensina-nos que o Amor é perdoar mais do que vingar; consolar
mais do que ser consolado; partilhar mais do que acumular; compreender
mais do que julgar; dar, darmo-nos, oferecer o melhor de nós, mais do que
termos o que sonhamos. 
Não é difícil compreender que os nossos sentimentos e gestos são
determinantes, não só para a nossa felicidade neste mundo, como também
para a da outra vida, de que esta faz parte.
Repousa em nós, calma e firme, a certeza de que a vida não se mede pela
quantidade dos dias... mas pelo amor de que se foi autor e herói. 
... chorar a morte de um amigo é a prova de que a sua vida, aqui, teve
valor e sentido.
É o mesmo amor que nos deu alegria à vida que nos faz, agora, chorar...
não desapareceu, está vivo. Habita-nos o coração. 
Ficam as lágrimas choradas no silêncio do fundo de nós.
Fica o silêncio onde se ama. 
Fica a esperança, que é certeza, de que todo o carinho e ternura que
ficaram por dar não se perderam... adiaram-se apenas. 
Afinal, a mesma morte que leva os que amamos, também nos levará a nós...
será pois uma simples questão de tempo até que possamos abraçar e beijar
aqueles a quem, agora, disso a morte nos impede. 
No fundo do nosso coração, bem mais fundo do que a morte em nós, está Deus.” 

(José Luís Nunes Martins, in 'Filosofias - 79 Reflexões') 
[Portugal, n. 1971 / Filósofo]

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