domingo, 30 de novembro de 2014

PRECISO DE TI PARA SER EU

“Ser quem sou passa por ser capaz de criar ligações ao outro,
com o outro e para o outro.
Só há pessoas porque há relações.
A minha existência é constituída pelos caminhos que sonho,
construo e percorro, ao lado de outras pessoas que, como eu,
sonham, constroem e percorrem os seus caminhos.
Vontades distintas, dinâmica comum.
Seguimos, cada um pelos seus princípios, cada um para os seus fins. 
O amor leva o ser do seu autor ao ser do que é amado.
Amar é ser e ser é amar.
Partilhar-se com o outro e com o mundo, num milagre de multiplicação
em que quanto mais se dá, mais se tem para dar, mais se é. 
Um pequeno erro na base leva a potenciais tragédias nas conclusões.
Há quem parta do princípio que o amor é recíproco.
Ora, essa ideia simples acaba por ser origem de enormes tragédias pessoais.
O amor não é recíproco, é pessoal, nasce no mais íntimo da nossa identidade.
Não é metade de nada, é um todo.
Precisa do outro como fim, não como princípio. 
O amor é bondade generosa.
É dar o bem. Dar-se.
Conseguir ser fonte de amor é o maior dos bens que se pode alcançar.
Sonhar, criar e lutar pela felicidade do outro é, por si mesmo, a maior
de todas as recompensas.
Claro, muitos desistem assim que o primeiro espinho se crava na
planta dos pés... 
O valor de alguém não depende do que lhe dão ou tem, mas do que é.
O outro pode inspirar-me, mas a minha felicidade passa pelo que sou
capaz de lhe dar… e não pelo que posso ou quero receber. 
Criamos relações, construímos pontes, para não sermos ilhas.
A nossa verdadeira comunhão é mais profunda.
As águas separam o mais evidente do que somos, mas o fundo
é o mesmo, como se fossemos montes de uma mesma cordilheira
e o mar tivesse inundado os vales. 
O caminho de descoberta passa por se ser capaz de chegar ao íntimo…
de si mesmo, do outro e do mundo. Por se dar conta de que, afinal,
no fundo do ser, a nossa matriz é comum.
Os outros são eus e eu sou o seu outro. 
Não é bom estar só. A solidão anula o ser.
O amor une o que é, na essência, da mesma natureza.
Resulta da liberdade e responsabilidade absolutas.
Implica a capacidade de criar uma vida sem intervalos. 
Nenhum mal perdura no tempo, porque a destruição se destrói a si mesma.
Só o bem é eterno. Porque se cria e renova a cada momento. 
O que sou depende dos princípios que me movem e dos fins para os quais
a minha vontade tende. Serei o que escolher ser dentro de um conjunto de
determinações que me ultrapassam, mas que em ponto algum limitam a
minha liberdade e a minha responsabilidade. 
Vivemos uns com os outros, seguimos juntos no espaço e no tempo...
escolhemos depois estar mais perto ou mais longe dos íntimos uns
dos outros. Ninguém nasce de si mesmo e o ser humano, sendo o mais
perfeito ser terrestre, é também o mais carente.
Precisamos muito uns dos outros. 
Não é possível ser feliz sem os outros, menos ainda contra os outros.
A cada instante, tudo muda, mesmo quando toda a gente quer que
continue na mesma.
As decisões devem renovar-se a cada passo, o amor deve encontrar
forma de se fazer real a cada dia, sob pena de passar, e nós, passando
com ele… nos fazermos apenas passado. 
Longe de fechar, o amor abre aquele que ama ao outro, tornando-o
protagonista da criação.
Cada um de nós está projetado para fora de si, para os outros, para
este mundo e para o céu.
A nossa dignidade é tanto maior quanto mais aberto estiver o nosso
coração... para dar. 
Preciso do infinito para ser eu.” 

(José Luís Nunes Martins, in 'Amor, Silêncios e Tempestades')
[Portugal, n. 1971 / Filósofo]

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