sábado, 23 de abril de 2016

A CONSCIÊNCIA DA INFÂNCIA SÓ EXISTE NA VELHICE

“A consciência da infância só existe na velhice, e é uma
consciência de revisitação, de mitificação, não da factualidade.
Todas aquelas histórias são mitificadas.
Em princípio, as crianças são um pouco imunes ao tédio, que
é a paisagem dominante da velhice.
Mas é o tédio que nos permite pensar nessas coisas.
Há muitos anos, vi na televisão uma entrevista com a filha do
Eça de Queiroz em que ela conta que um dia estava a olhar
pela janela, em Paris, e disse ao pai: “Estou aborrecida”. E o
Eça respondeu: “Aborrecida? Olha para as folhas das árvores”.
Esta é a operação que a infância não consegue fazer de forma
deliberada, porque a infância vê, não olha.
Mas o velho, se quer sobreviver como criança, tem de olhar.
E quando o velho procura olhar para o mundo com os olhos
que tinha em criança, todas as coisas começam a falar.” 

(Mário Cláudio, in 'Jornal Público, 16 Out 2015')
[Escritor, Portugal, n. 6 Nov 1941]

Nenhum comentário:

Postar um comentário