domingo, 29 de maio de 2016

PRAZER OU DEVER

"Vivemos na idade do dever, do parecer e do querer ser.
São verbos que não incluem o melhor e mais importante
verbo de todos, tão desconsiderado que pensamos nele
como um simples substantivo: prazer.
O politicamente correto (um advérbio sempre a espera
de definições defensáveis, seguido por um adjetivo
insuportavelmente puritano e volúvel) torna-se no
contrário do prazer: num castigo. 
Dizer «apraz-me» parece um tique do século XIX mas é,
na verdade semântica e gramatical, a indicação rigorosa
que há qualquer pessoa ou coisa ou noção que nos dá
a melhor de todas as coisas: o prazer. 
Hoje as pessoas descrevem o amor e a amizade como
bons sentimentos que conduzem a esforços e sacrifícios
que, não havendo amor ou amizade, não seriam feitos. 
«Isso é que é amor!» e «isso é que é amizade!»,
proclamam compadres e comadres quando encontram
exemplos deprimentes e dolorosos de lealdades
amorosas e amigáveis que foram castigadas até ao
último limite da humanidade. 
O prazer não é a mesma coisa que o egoísmo - mas
parece-se, felizmente, com ele.
As duas únicas diferenças vêm do fato de haver duas
pessoas diferentes.
A sorte de quererem, egoisticamente, a mesma coisa um
do outro é o prêmio de se ser descabido e aventureiro. 
A verdade é que amamos quem amamos e somos amigos
de quem somos porque nos dão prazer; porque nos aprazem.
O mérito é como a justiça e a moralidade: é um ponto de
vista de quem consegue convencer-se, erradamente, que
tem razão."

[Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público (7 Nov 2015)']

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