terça-feira, 14 de outubro de 2014

A REALIDADE DA VIDA E A REALIDADE DO MUNDO

“A nossa crença na realidade da vida e na realidade do mundo
não são, com efeito, a mesma coisa.
A segunda provém basicamente da permanência e da durabilidade
do mundo, bem superiores às da vida mortal.
Se o homem soubesse que o mundo acabaria quando ele morresse,
ou logo depois, esse mundo perderia toda a sua realidade, como a
perdeu para os antigos cristãos, na medida em que estes estavam
convencidos de que as suas expectativas escatológicas seriam
imediatamente realizadas.
A confiança na realidade da vida, pelo contrário, depende quase
exclusivamente da intensidade com que a vida é experimentada,
do impacto com que ela se faz sentir.
Esta intensidade é tão grande e a sua força é tão elementar que,
onde quer que prevaleça, na alegria ou na dor, oblitera qualquer
outra realidade mundana.
Já se observou muitas vezes que aquilo que a vida dos ricos perde
em vitalidade, em intimidade com as «boas coisas» da natureza,
ganha em refinamento, em sensibilidade às coisas belas do mundo.
O fato é que a capacidade humana de vida no mundo implica
sempre uma capacidade de transcender e alienar-se dos processos
da própria vida, enquanto a vitalidade e o vigor só podem ser
conservados na medida em que os homens se disponham a arcar
com o ônus, as fadigas e as penas da vida.” 

(Hannah Arendt, in 'A Condição Humana')
[14 Out 1906 - 4 Dez 1975 – foi uma teórica política alemã]

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