sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A MUDANÇA SÓ SE DÁ NA CONTINUIDADE

"Dirigirmo-nos a alguém com a missão de que se transforme noutro,
é irmos com a embaixada de que ele deixe de ser ele.
Cada qual defende a sua personalidade, e só aceita uma mudança na
sua maneira de pensar ou de sentir, na medida em que esta alteração
possa entrar na unidade do seu espírito e enredar-se na sua continuidade;
na medida em que essa mudança se puder harmonizar e se conseguir
integrar com tudo o resto da sua maneira de ser, pensar e sentir, e possa,
por outro lado, enlaçar-se nas suas recordações.
Nem a um homem, nem a um povo - que, em certo sentido, também é
um homem - se pode exigir uma mudança, que desfaça a unidade e a
continuidade da sua pessoa.
Pode-se mudá-lo muito, quase até por completo; mas sempre, dentro
da continuidade.
É certo que, em certos indivíduos, acontece aquilo a que se chama
mudança de personalidade; mas isso é um caso patológico, e é como
tal que os psiquiatras o estudam.
Nessas alterações de personalidade, a memória, base da consciência,
arruína-se por completo e, ao pobre paciente, só resta, como substrato
de continuidade individual - já que não pessoal -, o organismo físico.
Tal enfermidade equivale à morte para o sujeito que dela padece; para
os que não equivale à sua morte é para os seus herdeiros, se tiver bens
de fortuna: e essa enfermidade não é senão uma revolução, uma
verdadeira revolução."

(Miguel de Unamuno, in 'Do Sentimento Trágico da Vida')

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