sábado, 5 de dezembro de 2015

O CONSTRUTOR

“O construtor, antes de levantar a primeira pedra do dia, contempla
e considera as suas feridas que enfraquecem a vontade de construir,
com a sua própria substância de cinzas e sangue petrificado, a habitação
em que a fênix poderá renascer com todo o esplendor original de um astro.
Nada mais lhe resta do que lançar-se a um trabalho para o qual a
disposição ainda não surgiu, mas que poderá despertar os impulsos
da construção solar e abrir o horizonte luminoso e tranquilo de um
rio em torno da morada.
A construção está envolta numa espessa bruma e não há nela sinais
de figuras ou formas, porque essa névoa é o próprio nada da confusão
inicial e do fim de toda a construção como possibilidade de vida e de
renovo.
É do obscuro fundo da retina que surge um ténue raio cintilante que
penetra na massa nebulosa da construção e a faz palpitar e estremecer.
O construtor poderá então discernir algumas linhas de força, algumas
estruturas e bases numa crescente e sincopada clarificação.
Haverá um momento em que ele sentirá que o edifício dança porque
tudo se duplica e se reflete e se anima.
De algum modo, é já a fênix que resplandece no fulgor da edificação
e na plenitude do ser e do olhar na sua mútua criação.” 

(Antônio Ramos Rosa, in 'O Aprendiz Secreto') 
[Poeta/Ensaísta, Portugal, 17 Out 1924 // 23 Set 2013]

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