domingo, 17 de maio de 2015

A MINHA FAMÍLIA É A MINHA CASA

“A solidão absoluta é não ter ninguém a quem dizer um simples: “tenho
vontade de chorar”. Não precisamos de muito para viver bem – para ser
feliz basta uma família e pouco mais. 

A família é a casa e a paz. O refúgio onde uma vontade de chorar não é
motivo de julgamento, apenas e só uma necessidade súbita de... família.
De um equilíbrio para o qual o outro é essencial... assim também se passa
com a vontade de sorrir que, em família, se contagia apenas pelo olhar. 

Nos dias de hoje vai sendo cada vez mais difícil encontrar gente capaz
de ser família. Os egoísmos abundam e cultiva-se, sozinho, o individual.
Como se não houvesse espaço para o amor. Dizem que amar é arriscado,
que é coisa de loucos...

Todos temos sentimentos mais profundos. Cada um de nós é uma unidade,
mas o que somos passa por sermos mais do que um. Parte de unidades
maiores. Estamos com quem amamos e quem amamos também está, de
alguma forma, conosco. O amor é o que existe entre nós e nos enlaça os
sentimentos mais profundos. Onde uma vontade de chorar é um sinal de
que há algo em mim que é maior do que eu... por vezes, nem preciso de
chorar... apenas a vontade me indica o caminho da humildade e do amor.
Sozinho não consigo chegar a ser eu...

Uma verdadeira família é simples. É o lugar onde todos amam e protegem
a intimidade de cada um. Ninguém é de uma família à qual não se entrega.
Mas não é fácil, nunca. É preciso ser forte o suficiente para dizer não a
um conjunto enorme de coisas que parecem muito valiosas, mas que não
passam de ocas aparências de valor. 

Há muita gente que gosta de complicar para fugir ao que é simples.
Para que me serve um palácio se nele a minha solidão se faz ainda maior?
Quantos desistem de lutar pelo amor com a desculpa de que o preço é alto
e o prêmio pode afinal não valer o esforço? Quantas vezes a falta de amor
é vista como paz? 

A família é algo simples – puro – mas muitíssimo difícil de alcançar. Implica
a renúncia constante aos artifícios do fácil e do imediato. Exige que nos
concentremos num caminho longo que acreditamos (sem grandes provas)
que é o único que nos pode elevar e levar ao céu. 

Numa família há afeto e exemplo, há limites e respeito, há quem nos aceite
como somos sem deixar de nos animar a sermos melhores, sem excessos
mas com a paciência de quem ama. 

A paz resulta de um equilíbrio de elementos diferentes, com talentos e
perspetivas distintos. Não através de um esforço de anulação do que é
único de cada um, mas precisamente pela riqueza de o orientar rumo a um
fim conjunto e harmonioso. Uma espécie de enriquecimento recíproco dos
contrários. Promover o bem do outro não é fazer com que se torne
semelhante a mim. 

A minha casa é o lugar onde eu sou o outro a quem alguém pode expressar
o seu “tenho vontade de chorar” sem que eu trace juízos de qualquer espécie,
e que lhe faça sentir com o meu silêncio, dedicação e presença que a sua
vontade já não é só sua... mas minha também. 

A minha família é a minha casa. Até podemos ser apenas dois... mas é aí,
e só aí, que posso ser feliz. Longe de casa estou sempre a caminho.
O meu coração não descansa senão nos braços de quem tem vontade de
sorrir e de chorar comigo.” 

(José Luís Nunes Martins, in 'Amor, Silêncios e Tempestades')
[Filósofo, Portugal, n. 14 Mar 1971]

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