domingo, 31 de maio de 2015

O SER HUMANO NÃO CONSEGUE VIVER SEM PAIXÃO

“O ser humano não consegue viver sem paixão.
E a paixão é o estado no qual todos os seus sentimentos e ideias
se encontram no mesmo espírito.
Tu podes pensar, quase ao contrário, que é o estado em que um
sentimento se torna todo-poderoso, um único sentimento que atrai
a si todos os outros - um arrebatamento!
Não, não querias dizer nada? Seja como for, é assim. Também é assim.
Mas a força de uma tal paixão é imparável.
Os sentimentos e as ideias só ganham continuidade quando se apoiam
uns nos outros, na sua totalidade, têm de se orientar no mesmo sentido
e arrastam-se uns aos outros.
E o ser humano tenta por todos os meios, pela droga, pela ilusão, pela
sugestão, pela crença, pela convicção, por vezes apenas recorrendo
ao efeito simplificador da estupidez, criar um estado semelhante àquele.
Acredita nas ideias, não por elas às vezes serem verdadeiras, mas
porque tem de acreditar em alguma coisa. Porque tem de manter os
afetos em ordem. Porque tem de tapar com alguma ilusão o buraco
entre as paredes da vida, para não deixar que os seus sentimentos
se espalhem ao vento.
O caminho certo seria o de, em vez de se entregar a estados ilusórios,
procurar pelo menos as condições da autêntica paixão.
Mas, feitas as contas, embora o número de decisões que dependem
do sentimento seja infinitamente superior ao daquelas que se podem
tomar com a pura razão, e todos os acontecimentos decisivos para a
humanidade nasçam da imaginação, só as questões da razão se
mostram ordenadas de forma supra pessoal; para o resto, nunca se
fez nada que mereça o nome de esforço comum ou que sugira
sequer a consciência da sua desesperada necessidade.”

(Robert Musil)

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