sábado, 21 de março de 2015

A VERDADE É AMOR

“A verdade é amor — escrevi um dia.
Porque toda a relação com o mundo se funda na sensibilidade,
como se aprendeu na infância e não mais se pôde esquecer.
É esse equilíbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho
estão certos na composição de um quadro. É o mesmo equilíbrio
indizível que ao filósofo impõe a verdade para a sua filosofia.
Porque a filosofia é um excesso da arte. Ela acrescenta em razões ou
explicações o que lhe impôs esse equilíbrio, resolvido noutros num
poema, num quadro ou noutra forma de se ser artista.
Assim o que exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável
ou impensado de nós, é um sentimento estético, um modo de sermos
em sensibilidade, antes de o sermos em razão ou mesmo em inteligência.
Porque só se entende o que se entende conosco, ou seja, como no amor,
quando se está «feito um para o outro».
Só entra em harmonia conosco o que o nosso equilíbrio consente.
E só o consente, se o amar.
Porque mesmo a verdade dos outros — a política, por exemplo — se
temos improvavelmente de a reconhecer, reconhecemo-la talvez no ódio,
que é a outra face do amor e se organiza ainda na sensibilidade.” 

(Vergílio Ferreira, in "Pensar") 
[Escritor, Portugal, 28 Jan 1916 // 1 Mar 1996]

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