domingo, 29 de março de 2015

É IMPOSSÍVEL QUE O TEMPO ATUAL NÃO SEJA O AMANHECER DOUTRA ERA

“É impossível que o tempo atual não seja o amanhecer doutra
era, onde os homens signifiquem apenas um instinto às ordens
da primeira solicitação.
Tudo quanto era coerência, dignidade, hombridade, respeito
humano, foi-se.
Os dois ou três casos pessoais que conheço do século passado,
levam-me a concluir que era uma gente naturalmente cheia de
limitações, mas digna, direita, capaz de repetir no fim da vida
a palavra com que se comprometera no início dela.
Além disso heroica nas suas dores, sofrendo-as ao mesmo
tempo com a tristeza do animal e a grandeza da pessoa.
Agora é esta ferocidade que se vê, esta coragem que não dá
para deixar abrir um panarício ou parir um filho sem anestesia,
esta tartufice, que a gente chega a perguntar que diferença
haverá entre uma humanidade que é daqui, dali, de acolá,
conforme a brisa, e uma colônia de bichos que sentem a
umidade ou o cheiro do alimento de certo lado, e não têm
mais nenhuma hesitação nem mais nenhum entrave.”

(Miguel Torga, in "Diário – 1942", Escritor/Poeta, 
Portugal, 12 Ago 1907 // 17 Jan 1995)

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